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Objetivo 6: Água Limpa e Saneamento
Por que a falta de banheiros no Brasil é uma questão feminista
Apenas metade da população do Brasil tem acesso a um banheiro limpo e seguro dentro de casa*. Para as mulheres, especialmente, o impacto pode ser devastador
POr EMMA ELMS
TRADUÇÃO: DANIEL AVELAR
15 DE DEZEMBRO DE 2020
Não ter acesso a um banheiro dentro de casa é um indicador importante de pobreza ao redor do mundo. Imagine ter de sair todas as manhãs e entrar em uma fila para usar um banheiro compartilhado, unissex e sujo, muitas vezes sem descarga. Agora imagine ter de passar por isso antes de ir trabalhar, talvez enquanto você ajuda seus filhos ou irmãos a se arrumar para a escola. Esta é a realidade de muitas mulheres e garotas no Brasil, onde metade da população não tem acesso a um banheiro limpo e seguro em casa, de acordo com nossa análise de dados sobre saneamento disponíveis em relatório de 2017 da UNICEF (agência da ONU para a infância) e da OMS (Organização da Mundial da Saúde).
É claro que não é fácil para ninguém se dar bem –no trabalho ou em casa– vivendo em condições de pobreza sem ter um banheiro próprio, mas as mulheres são mais afetadas do que os homens porque elas também têm o desafio de cuidar de sua higiene menstrual.
“Mulheres e crianças são desproporcionalmente afetadas de várias formas [por não ter um banheiro dentro de casa]”, diz Sanjay Wijesekera, diretor de programas da UNICEF. “Há impactos psicológicos e de saúde significativos em não se ter um espaço privado e seguro com acesso à água limpa. Isso impede o descarte adequado de itens de higiene menstrual, e estudos mostram que mulheres têm mais risco de sofrer violência sexual se precisarem sair de casa para usar o banheiro”, ele explica.
“Não ter um banheiro decente é perigoso por muitos motivos”, acrescenta um porta-voz da ONG internacional WaterAid. “Isso significa que não há lugar para se gerir ou tratar dejetos humanos, de modo que germes contaminam a comida e as fontes de água, disseminando doenças como a diarreia e a cólera. Isso também significa que as pessoas têm de sair de casa para ir ao banheiro, o que é especialmente perigoso para mulheres e crianças”.
Não ter banheiro ou água tratada em casa também tem um impacto significativo na subsistência das mulheres. “Além da importância da infraestrutura de água, saneamento e higiene para as necessidades específicas de mulheres e garotas –como a higiene menstrual–, esses direitos básicos são essenciais para seu desenvolvimento social e econômico e contribuem fortemente para a promoção da igualdade de gênero”, diz o porta-voz da WaterAid.
Disparidade salarial de gênero
Um estudo de 2018 intitulado “O saneamento e a vida da mulher brasileira” apontou de que formas a falta de acesso à água limpa e a banheiros pode impactar a qualidade de vida e as perspectivas de trabalho das mulheres. O relatório identificou que as mulheres sem um banheiro dentro de casa costumam ganhar 73,5% menos que as mulheres com banheiro privado. O estudo foi conduzido pela BRK Ambiental, maior empresa privada de saneamento do Brasil, em conjunto com o Instituto Trata Brasil, uma organização especializada em saneamento, com o intuito de promover a compreensão da realidade complexa do país.
Ao se comparar a renda das mulheres com a dos homens, a disparidade é um lembrete doloroso de como a crise no saneamento evidencia as desigualdades de gênero que existem no Brasil e no resto do mundo. Então, esta é a dura realidade… Mulheres com banheiro em casa geralmente ganham R$ 800 a menos por mês do que homens nas mesmas condições, segundo dados do Painel Saneamento Brasil, do Instituto Trata Brasil. Para os padrões brasileiros, essa disparidade de renda é significativa. Se os dois sexos NÃO têm banheiro em casa, as mulheres ainda ganham ligeiramente menos que os homens.
Água e pobreza
Ter acesso a um banheiro higiênico e seguro e à água limpa em casa poderia ajudar a tirar cerca de 700 mil brasileiras da pobreza, promovendo um aumento de R$ 321 nos rendimentos anuais dessas mulheres, indica o Instituto Trata Brasil. O aumento estimado do poder aquisitivo delas poderia trazer um ganho total à economia brasileira de R$ 12 bilhões ao ano.
Segundo o Dr. Fernando Garcia de Freitas, pesquisador do Instituto Trata Brasil, mulheres sem acesso ao saneamento estão mais expostas a doenças infecciosas, prejudicando sua frequência escolar e sua produtividade no trabalho, com impactos duradouros em sua renda.
“Expandir o acesso ao saneamento e à água limpa melhoraria muito a vida das mulheres no Brasil”, diz Freitas. “No curto prazo, as mulheres economizariam dinheiro e tempo que gastam com transporte para ir a consultas médicas. Também se espera um melhor desempenho na escola e no trabalho, elevando seu salário por toda a vida. A renda que se gasta hoje devido à falta de saneamento, se devolvida às mulheres, poderia tirar uma grande parcela delas da pobreza”, ele acrescenta.
Ter um banheiro em casa não é só um problema de infraestrutura –práticas culturais e educação sobre higiene também têm seu papel. Algumas famílias podem ter passado várias gerações sem ter acesso a um banheiro limpo e seguro em casa, e veem isso como algo normal.
“A falta de saneamento é um problema histórico no Brasil”, explica Freitas. “Há famílias que não sabem usar um chuveiro, uma privada ou uma torneira, então quando finalmente se traz o saneamento para dentro de suas casas é importante instruí-las sobre como utilizar esses equipamentos. É uma tarefa civilizatória”. Ele diz que ensinar as pessoas a lavar as mãos corretamente, a melhorar a higiene na cozinha e a escovar os dentes são iniciativas que podem ajudar na prevenção de problemas de saúde.
Meninas têm desvantagem na escola
Meninas sem banheiro em casa vão pior na escola, obtendo cerce de 46 pontos a menos no ENEM que a média dos estudantes. O impacto do saneamento no ensino é observado ao redor do mundo, segundo a UNICEF.
“Para as garotas, ter acesso a estruturas de água, saneamento e higiene na escola é um elemento importante para garantir sua participação escolar de modo seguro e saudável”, diz Geraldine Anup-Willcocks, especialista do programa de saúde e emergências da UNICEF. “Meninas podem ter dificuldade de comparecimento às aulas e permanência na escola se não houver estruturas sanitárias limpas, seguras e separadas por sexo, que são essenciais para a higiene menstrual. Estruturas de água, saneamento e higiene nas escolas e nas comunidades em geral também podem livrar as garotas da tarefa árdua de sair para coletar água, de modo que tenham mais tempo para se dedicar à educação”.
Desigualdades na saúde
No que diz respeito à saúde, as mulheres também são mais prejudicadas pela falta de saneamento que os homens. Segundo o Instituto Trata Brasil, 120.461 mulheres foram hospitalizadas em 2018 por causa de doenças ligadas à falta de saneamento –cerca de 10.000 vítimas a mais que os homens.
“A falta de saneamento afeta a saúde das mulheres brasileiras proporcionalmente mais do que afeta a saúde dos homens”, diz Freitas. “Em parte, isso tem a ver com fatores biológicos, pois a água é importante para a higiene durante a menstruação. Mulheres sem acesso à água também têm risco maior de contrair infecções urinárias e outras doenças”.
Ele acrescenta que, devido a fatores culturais, as mulheres no Brasil são vistas como as responsáveis por tomar conta da família. “Quando as crianças ou os familiares mais velhos ficam doentes, são as mulheres que acabam ajudando em sua recuperação, o que as expõe a mais infecções”.
Ao redor do mundo, mais de 800 mil pessoas morrem todo ano por doenças relacionadas à água e ao saneamento, segundo a OMS. Além disso, o impacto financeiro das doenças ligadas ao saneamento é monumental.
No Brasil, cerca de R$ 90 milhões foram gastos com internações hospitalares por doenças ligadas ao saneamento em 2018. Mas há motivos para ser otimista –o investimento em saneamento poderia ajudar a impulsionar a economia, melhorando o dia a dia e as perspectivas de mulheres, homens e crianças. Até 2035, o Instituto Trata Brasil estima que a expansão da estrutura de saneamento no Brasil poderia reduzir os gastos com saúde em mais de R$ 7 bilhões.
“Há um balanço de custo-benefício muito positivo para a expansão do saneamento no Brasil”, explica Freitas. “Além de melhorar as condições de vida de muitos brasileiros, haveria ganhos coletivos: praias e rios limpos dariam à população mais espaços de lazer e aumentariam os rendimentos da indústria de turismo”.
Ele acrescenta: “O acesso ao saneamento está avançando no Brasil, ainda que não na velocidade que nós gostaríamos, então são necessários mais investimentos. Sem água limpa, não conseguimos promover outras metas do desenvolvimento, como a alimentação saudável e a igualdade de gênero”.
Com a sua ajuda, podemos construir estações de higiene e água em todo o Brasil, fornecendo água potável para as comunidades mais vulneráveis do país. #TOGETHERBAND e Harpic estão trabalhando com o Pacto Global da ONU no Brasil para construir cinco estações de água, mas precisamos de mais. Por favor, doe agora para fornecer água limpa a milhares de pessoas e ajudar a salvar vidas.